segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Cartas


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F
ica evidente minha ausência na literatura virtual. Mas, caso alguém se interesse, estou disposto à enviar boletins rotineiros pelos Correios, já que estou preferindo escrever em minha Olivetti.
Basta enviar um e-mail para andre.romitelli@yahoo.co.uk com:
-Nome;
-Endereço (não esqueçam do CEP, viu? Sim, preciso dele pra mandar cartas);
-e me conte um pouquinho sobre você.
Não vou cobrar nada, afinal, nem tenho como fazer isso. É apenas para selar um vínculo, literalmente, com pessoas com as quais compartilho interesses recíprocos.

Agradeço todo o carinho que recebi muitas vezes como blogueiro, mas não há nada como ouvir os tipos carimbarem meus pensamentos na cândida folha. Eternamente.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Exercitando-me eu mesmo

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Eu; não-eu; Então, lá fora
Outro; outrém; vai ver outrora
Tu, talvez, se vá agora
Eu; há muito fui embora.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Polvilho


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Aquele gostinho salgado na boca, como água do mar. Gostinho mastigado de infância; de infância mitigada e quase esquecida. A boca fica pedindo um pouco mais, e os dentes trituram aquele pedaço de passado que derrete na língua; a anatomia da boca não foi feita pra guardar memórias... E eu quase esqueci que eu caminhava de volta pra algum lugar. Mas o saco na minha mão, e a saudade na boca, derretendo e indo em volta. Agora lembrei que era uma daquelas noites quentes dessa primavera doida e seca, quase claustrofóbica, que nem todo mundo sabe; e aquela brisa velha e deformada quase não balançava meus cabelos. Mas minha língua balançava remoendo um pouco do que sobrava daquela massa branca presa nos bréquetes do aparelho, duas coisas de crianças que são insustentáveis juntas. Enfim, foi nessa noite, eu me lembro bem, que eu vi que estava tudo bem, e aquela noite abrigava tantas pessoas naquele meio de vazio, que eu me senti sendo parte de uma unidade como não acontecia há muito tempo, vendo que tudo estava no lugar, estava tudo bem. E senti pela primeira vez que estava tudo em ordem.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Frio na barriga


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Escrevi seu nome com as letrinhas da sopa...

Depois de vomitar ela todinha.

sábado, 7 de agosto de 2010

Ter pra perder.

Um dia todo mundo teve
um aperto no peito,
uma dor de barriga
e um vazio na cabeça;
os pés pesados,
as mãos vadias
e uma tara escondida;

Todo mundo tem
uma mulher pra amar;
uma cachaça para beber
em copo de vidro,
de plástico,
ou na boca mesmo;

uma boca pra beijar,
um corpo pra se esfregar,
um tesão doido pra matar;

a barriga faminta,
a criança chorando,
o trabalho corrido;
o dia a dia,
o dia,
o dia;

Todo mundo tem
uma morte digna,
de gente,
de bicho,
ou de nada mesmo.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Ponto final

Não dou ponto sem vírgula.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Viramundo



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Pôs-se a perambular pelos campos colhendo flores silvestres. Desceu vales, galgou montanhas, até que, morto de cansaço, deixou-se cair no capim e adormeceu sob a luz das primeiras estrelas, com um sorriso nos lábios. Era um sentimento novo o que lhe enchia o coração.


Fernando Sabino

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Enxadrado


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É um desafio antes de tudo sair escrevendo assim sem muita razão. Acho que já errei, na verdade, agora a pouco esse ponto final veio como uma vírgula, e esse período já nasceu de um erro. É como se eu estivesse jogando xadrez: cada movimento se pauta nos movimentos futuros do adversário. Sempre foi assim, nunca foi tão fácil quanto a gente conseguia fazer. É um grande desafio, sim; antes de tudo saber por que raios eu coloquei um ponto-e-vírgula agora a pouco. Raios, sempre perdi no xadrez pro meu irmão, estou agora apanhando de você. Esse jogo é muito mais seu do que meu. E esse texto tão insoso e sem razão de ser é só mais um exemplo de que eu perdi a batalha. Aljubarrota. Eu Português, você Espanhola! Ahá! Touché! Olé! E o ponto-e-vírgula que eu esqueci ali atrás? Não é fim, nem começo. Parece tanto com a gente. Falando de a gente, eu sempre lembro de "agente", e hoje sei a diferença muito bem, dagente e de agente; ou de agente e de a gente; quanta gente no fim, não é mesmo? E pra que tanto lero lero, falando de tanta baboseira, se no fim acaba tudo no xeque-mate? E o maldito ponto-e-vírgula devia ser extinto, ou a gente tem uma pausa pra respirar ou termina logo com isso. Céus! Chega! Já me sufocou essa brincadeira de escrever sem pautas, sempre fui péssimo com caligrafia, e escrever em linhas tortas nunca significou nada para mim além de uma lembrança constante da minha tremedeira. Já você me lembra daquela época que passava correndo pertinho de mim, ventando meu cabelos, e parava destruidora nos outros. Eu me sentia protegido, e um pouco delicado. Só agora que eu vejo que cada vez que você passava, ardia um pouco, sangrava um pouco, de tão cortante e incisiva; cortou tanto que hoje calejou grande parte do meu espírito pioneiro. De pioneiro não resta mais nada: meu alazão foi-se embora, minha armadura enferrujada no canto, meu fiel escudeiro está bêbado, e vendi minha alma ao demônio em troca de uma bela mulher; que fugiu com meu irmão. Estou só. Só.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Descarga de pensamento

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A filosofia contemporânea nasceu no banheiro. Todo o pensamento de nossa geração pode ser sintetizado pelos pensamentos e divagações na porcelana. Poderia se tivesse sido anotado, mas nunca tem lápis ou caneta no banheiro, então toda essa genialidade pitoresca vai invariavelmente para o esgoto; e todo o pensamento filosófico de hoje fica restrito às produções muito mais discretas que só terão função dentro de, pelo menos, 20 anos, quando forem estudadas por colegiais ou pré-vestibulandos (caso esse método de triagem ainda exista). Enfim, o filósofo do séculos 21 já está de calças arriadas, pronto para receber chumbo grosso.

Em seu trono, o pensador é rei de toda a verdade: preenche a volumetria do território facilmente com suas verdades indefectíveis; o ar fica impregnado com a magnitude do seu pensamento; e todos os problemas parecem ter uma solução. A simplicidade do raciocínio lógico que condiciona a toda a iluminação do raciocínio. Além disso, a posição do “homem entronado” proporciona a flexão óbvia e eficaz da cabeça pesando sobre o punho: “O Pensador”.

Tudo isso fica mais fácil sem aquela pressão do almoço mal digerido. A unidade de filosofia contemporânea, com seus azulejos bem limpos, a pia de pedra brilhante, o box com sua incólume transparência, abriga o filósofo, se livrando dos restos pútridos das filosofias digeridas. O organismo é aproveitador, fica só com o que interessa: o resto que se dane. O filósofo, dono de tal organismo, não poderia ser diferente: engole seus antepassados, indiscriminadamente; mastiga suas filosofias, que, muitas vezes, já estão mastigadas; digere tudo aquilo, despejando sobre aquilo suas observações de pH inconveniente. Bom, agora os filósofos divergem: alguns optam pelo refluxo, ruminando toda aquela confusão, permanecendo em um lugar comum; ou despejam logo o quimo, com todas suas partes descartáveis. O pensador contemporâneo acaba sempre defecando (n)os costumes dessa época.

Afinal de contas, aonde você acha que estou enquanto penso nisso? Muita filosofia é desperdiçada aqui unicamente pelo fato de não ser comum ter lápis ou canetas aqui! É uma vergonha isso, já que papel tem de sobra. Bom, se o papel acabou não me culpe, mas vai ser um problemão. Só que o pensamento no banheiro é tão efêmero quanto um sonho, uma música composta no chuveiro, ou uma descarga. Eu sei que você está cagando e andando pra isso, mas eu acho um grande desperdício.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Pra apagar o Sol

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Assim eu falo da sua boca:
pra não falar dos olhos.
Você já deve ter se cansado de ouvir sobre o quanto são azuis;
e essas coisas que tanto se diz.
Mergulhar, perder-se;
no mínimo, me hipnotiza.

Mas sua boca.
Ah! Dela nem se fala.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Ressaca


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É aquele menino que leu as fantásticas viagens de Gulliver que agora lhes fala. Estou navegando em meu barco, cujos mastros e velas não exercem suas funções. Já que venta tão forte hoje em dia, acabei decolando no meio desse vendaval; os ventos bradavam nervosos trovões que terminaram por fim fazendo chover tudo de uma vez. Aquele toró que encharcou o convés foi o suficiente pra lavar todo o piso, que eu nunca tive tempo de limpar; sabe como é: em viagem solitária, o capitão é o marujo; trabalho dobrado sempre! E como foram os próximos dias de brisa leve, me dei ao luxo de observar o céu. E como ele anda claro, viu. Acho que nunca o vi assim, talvez minha pele já tenha retornado àquele marrom que tantas conhecem; até meus dentes parecem mais alvos pelo contraste, quando se exibem em um gentil sorriso. Meus olhos, estão mais abertos, e talvez por isso, eu tenha visto aquele grande rochedo no qual os ventos foram arremesar a embarcação e toda sua tripulação. O único sobrevivente e membro da tripulação não se recorda completamente do acontecido; mais parece com um pastiche antigo: uma praia, um céu azul e coqueiros; porém sempre me vem aquele gosto salgado de mar, aquela ardência da areia na cueca, a ressaca do oceano, e a pele ardendo, sem falar das necessidades fisiológicas mal contidas que excluem toda a beleza de ser um náufrago como eu fui.
Juro que acordei hoje como se tivesse vivido tudo isso novamente, só que dessa vez eu fui a pedra. O navio foi ela.





foto: Slinkachu

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Presente


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Lembro sempre daquela criança que gostava de presentear. Nada mais do que uma lembrança, ou um simples agrado, que ainda eram presentes, de valor inestimável. Lembra daquele relógio de areia que um dia ganhei? A areia que escorregava não delimitava intervalo nenhum; caia escrevendo uma palavra ou frase que marcava meu dia; virando o relógio a palavra mudava. O gênio inventivo da criança que desenvolveu um dispositivo movido à estática, que -não me pergunte como- criava frases e palavras apenas com o atrito da areia. Perdi muito tempo naquele brinquedo. Aquele presente se perdeu, nunca mais o encontrei, talvez ficou preso em alguma quina do meu passado. Quando encontrei esse presente preso em minha memória, veio o menino engastilhado junto, sempre com aquela cara de moleque, aquela eterna piada no olhar. Deixei escorregar aquela criança que tinha em mim.

Lembra daquele presente que um dia dividimos? É, aquele quadro que eu te dei! Lembra dele como lembra de mim: com um vidro na frente, minha silhueta embaçada pelo frio que faz lá fora. Deixa-o em um canto bem escondido do seu passado: quem sabe você o esquece lá, e me esquece junto. Deixa-me virado de costas pra que eu possa fazê-lo também. E um dia, você vai encontrar aquele presente, lembrança do passado apagado, com o vidro embaçado, e não vai lembrar que um dia nossas vidas se cruzaram.

Talvez você lembre daquela criança que gostava de presente, e não daquele homem que vivia no passado.

sábado, 26 de junho de 2010

Galhofas

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Decidi evitar o destino mais cruel que a morte: a seriedade.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Todo o Bem do mundo



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Agathón. O que é bem, o Bem, um princípio supremo, summum bonun. A busca incessante do indivíduo pela satisfação; no campo inteligível, a verdade e razão; no campo sensível a luz e seu senhor, o Sol. Sobre a verdade e a razão que paira a discussão do limite do Bem como objeto dependente do logos, fundamental para a perpetuação do raciocínio e, por extensão, da razão. Pari passu, sobre a luz e sua origem, paira um grande breu, tanto no campo físico, pela total verticalidade das cidades, quanto na falta de luminosidade no pensamento e raciocínio contemporâneo.

O filme trata justamente do Bem social, tido por muitos filósofos como a razão e o raciocínio, em um mundo fantástico metaforicamente representado pelos livros. A “cidade-livro” é um exemplo do agathón urbano, onde o logos e os cenários urbanos acontecem simultaneamente em um espaço comum. Contudo, o contraste com a realidade percebe que, embora haja razão atualmente, ela encontra-se reclusa a um cenário paralelo das cidades. Como bem podemos observar, o conhecimento está aprisionado em instituições paralelas à realidade da grande maioria dos transeuntes, inacessíveis a essa parcela da sociedade.

Essa segregação é explorada no vídeo, ao construir um paralelo entre a “cidade-livro” e o cenário metropolitano atual. Evidenciando a harmonia entre o cidadão, a cidade e o conhecimento, o livro permite a criação de um cenário urbano que suporte essas três dimensões do Bem discutido no filme. Em gritante contraste, o perfil da cidade contemporânea não agrega tal tridimensionalidade, deixando lacunas em branco na composição do agathón.

A visão platoniana do Bem, como “aquilo para que todas as coisas tendem”, é explorada no final do filme, com a elevação da câmera, em um sentido otimista sobre toda a “falta do Bem” explorada durante os 4 minutos e 40 segundos de filme. Se aquele universo da realidade, paralelo à razão, é a tendência para que a sociedade se dirige, este é o sentido do Agathón na cidade contemporânea. Desse modo, traduzo o conformismo e a simplicidade adotada na maioria das decisões e reflexões atuais como sendo tudo o que é bem, e o princípio supremo da sociedade contemporânea.

Assim sendo, será que o Bem como primeiramente idealizado inexiste na cidade? Ou a restrição à razão e ao conhecimento é o Agathón, a tendência das coisas?

Nota do autor: Talvez o baixo aprimoramento técnico e o curto prazo para edição fizeram do meu vídeo uma grande interrogação para todos os presentes na exibição. Faz-se necessário ressaltar a expectativa criada, durante a exibição, por filmes com teor humorístico. Dessa forma, uma apresentação experimental passa a assumir um tom relativamente austero que pode ter causado alguma má impressão. Mesmo assim, pude captar enquanto tocava que a experiência de musicar um vídeo sobrepondo sonoridades torna tudo mais confuso, como a cidade em que vivemos, Bem ou Mal...

domingo, 16 de maio de 2010

Sunny day


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The very essence of romance is uncertainty.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Quer que eu explique?



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Eu sou o último homem a ostentar o direito de ser pessimista.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Sujeira

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Não tenho mais vontade de contar minhas histórias.
Nem de esconder minhas mentiras.

Deixo o mundo sabendo que eu sou um mentiroso.
E minto com tamanha habilidade, que acredito no que digo. E a verdade é uma meia mentira, e a mentira, uma meia verdade. Tenho medo de encontrar quem realmente está ao meu lado: cansado e com a cabeça doendo. Dá pra entender como essa cidade cansa. À noite, a cidade dança. Com o Sol, a cidade mansa.

sábado, 1 de maio de 2010

Pessoa


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Tenho a mania de transformar meus passos em narrativa. O movimento mais banal eternizado em linhas ainda sem rumo. É uma mania minha. Parece que assim minha vida se torna algo importante, capaz inclusive de atrair a atenção de um narrador. Deste modo, alguém se preocupa com o destino do personagem protagonista da história de minha vida. Depois disso, parece que minha vida sempre se passou debaixo do tapete; e agora tenho as chagas reveladas, de um corpo pútrido, feridas purulentas, a cútis anêmica; velado solitariamente o cadáver de finos fios de cabelos desregrados e sebosos; de olhos esbugalhados em busca de luz, as pupilas dilatadas; a boca entreaberta de lábios ressequidos e rachados, dos dentes podres: a face de rugas de um doente terminal.

Uma vida em terceira pessoa, como alguém voando ao meu redor.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Roupa Suja


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É claro que a ausência foi sentida. Foi doída. Jogo de gato e rato, sempre sem vencedor. Foi uma semana do cão; sem noite nem dia; sem choro nem vela. Manhãs pesadas, de ossos congelados e frágeis; de pele seca e grudenta, de corpo colado à cama; olhos que ardem não pelo vento cortante, mas por salmoura e pranto. As pernas não respondem aos estímulos: seguem seu caminho, me levando aonde não quero ir; a garganta seca impede o grito, e o desespero fica contido numa redoma intocável. Tardes velando o leito do amado morto, buscando em banalidades alguma satisfação que preencha, ao menos por um instante, o vazio. O corpo cansado, não tem consciência do quanto dói; as juntas fazem barulho, arranha, risca, enrosca, rasga. A papelada que vai se acumulando, fazendo pilhas de procrastinação, que, com muito talento, foram erguidas por aquele que agora padece de um pouco de atenção. O ser vazio adentra a noite, enchendo-o de vida; coração batendo veloz na expectativa de ouvir o telefone tocando, ou o celular vibrando, fazendo vibrar consigo a mesa, o chão e as paredes, e o morador. Troca os canais da televisão, como se não estivesse nada passando. Folheia uma revista com nenhum artigo descente. “Não se fazem publicações como antigamente”. O telefone mudo. Vai até a cozinha, despeja água gelada pela garganta pelo bico da garrafa mesmo. “Não tem ninguém vendo... Se ela visse isso, acharia natural. Minha mãe não.”. A mãe enche a caneca de água e leva ao fogo. A mão! Saudades da mãe... Do irmão, do pai... Saldade. “É, faltou sal hoje no arroz...”. Verdade é que ta tudo sem sal, sem gosto, sem graça. A roupa acumulando no tanque. O telefone nem toca mais! Faz silêncio, como se ninguém estivesse aqui, e o chão de granito escuro congela os pés, que acabam doendo de tanto frio. Sempre tive frio nos pés. “Azar...”. O dedão cutuca um floco de poeira, que escapa e vai se esconder em um canto, junto aos demais. Ficam flocos de poeira pelos cantos, sujando as meias, as calças e as cuecas do mal aventurado que experimenta o contato com o chão congelante. O telefone tocou. A água ferveu. “Alô?”. “Oi.”. ”O que ta rolando?”. “Nada...”. Pois é, nada ta rolando. O telefone fica mudo. Descansa no gancho. A roupa no tanque. Um balde cheio de água, um pouco do sabão em pó que faz minhas mãos descascar. Despeja a água turva e tudo vai embora pelo ralo, para voltar, talvez no futuro, com a chuva que me atormenta. Um raio. O chão tremeu. O celular nunca mais tocou.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Teoria do riso


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Não tem experiência mais inglória do que explicar piada. Nada tão incômodo que aquela sensação de piada frustrada em mesa de bar. O ouvinte fica com cara de tacho, e o humorista tenta explicar a comicidade do negócio. No universo da piada, não adianta entrar pra fazer cócegas no oponente: tem que ser um golpe certeiro, sem espaço pra esquiva, que deixe o abdome dolorido de tanto rir. O espectador protege a guarda, recluso, de cara fechada, procurando evitar os clichês tão comuns, mas é incoerente quando vem um golpe baixo, e a risada, há muito contida, explode no ar com a imprecisão necessária, e contagia a multidão. É às vezes até incômodo.Mais incômodo do que isso, é estar na mesma mesa, não achando graça alguma, e tendo que partir pr'aquela risadinha de canto de boca, bem mal esboçada, emborcando o copo de cerveja, esvaziado em um sorvo só.
Muitos dizem que humor é uma habilidade inata, abrindo alas para um universo científico, e permitindo assim, o aprendizado da comicidade. Aprender a fazer os outros rirem torna-se um exercício, que se praticado diariamente, como os socos deferidos por Rocky Balboa em sacos de areia, pode, sim, tornar-nos mais engraçados! É uma prática de auto conhecimento, e um descanço para as emoções, convertidas em um só momento em sintonia com um só sentimento, expressos em um sorriso.
Muitos dizem, que o riso, é um santo remédio. Pois os médicos por aí que prescrevem tal medicamento, não imaginam o quanto estão corretos: quando você se deixa levar por um gracejo ou uma piada, a hipófise estimula a produção de endorfina, hormônio que relaxa a musculatura. Torna-se, dessa forma, um processo que se retroalimenta, já que o ambiente acaba tornando-se muito mais descontraído, propício para novas risadas.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Com fiança

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Confiança. Principal ingrediente na mistura dos relacionamentos humanos. A fundação necessária para edificar qualquer experiência. A primeira pedra para enfrentar a vida. "O que nos impede de nos atirarmos com confiança e alegria para as experiências do mundo? Por que temos tanto medo de nos entregarmos num relacionamento? E, mais que tudo, será que dá para mudar esse nosso eterno pé atrás com a vida?"

Aquela criança que sonhava em voar, um dia amarrou aos bracinhos galhos, folhas e fitas em um arranjo de asas, subiu no galho mais alto daquele velho carvalho no quintal de casa, encheu o peito de ar, e sentiu-se pronto para desafiar os gritos do irmão mais novo, os berros do pai e o choro da mãe, mas acima de tudo, a própria gravidade. O primeiro passo em falso para atingir aquela aquarela do poente, e por um instante acreditar que tudo aquilo era possível, e, como os passarinhos que ilustravam seus livros de desenhos, ele voaria para o Norte quando o inverno chegasse; batendo suas asas, voando não perto do mar, evitando ser engolfado pelas ondas, mas nem perto do Sol, para que a cêra de suas asas de Ícaro não derretessem. Com um saldo de dois braços quebrados e um dente a menos no sorriso, a criança nem viu o chão chegar perto, cada vez mais perto; encontrou apenas a dor, mas o sucesso daquela experiência era garantido. Nada daquilo poderia ser se não fosse a confiança dele, nele mesmo. O sucesso e o fracasso de sua experiência, delineado por um fio tão sublimado quanto a fronteira entre o azul do céu e o do oceano.

Aquela criança, que alguns anos antes aprendia a andar, passo ante passo, o esboço de uma corrida de braços abertos, para depois se jogar nos braços dos pais. Aquele bebê em aprendizado confia sua vida, sua segurança aos pais. Jogar-se de braços abertos, correr o risco de se esborrachar, confiar em alguém; são coisas que desde os primeiros passinhos, estamos tentados a fazer. A própria palavra, confiança, tem sua etimologia misteriosa, do latim con fides, isto é, com fé. E é esse o exercício que nos confere mais coragem, que do próprio nome sugere ter o coração na ação. Tal coração que por estar amargurado, pode manter nossa confiança escondida do mundo, em uma retroação, se comparada àquela criança em aprendizado que todos nós fomos.

Na falta do coração cometemos crimes -hediondos muitas vezes- contra nós mesmos. Praticado com extrema violência e com requintes de crueldade e sem nenhum senso de compaixão ou misericórdia por parte de seus autores, nós mesmos, tolhimo-nos de confiança e mantemos os braços atados para viver no marasmo da reclusão. Em troca de uma frágil estabilidade, adquirida por um compromisso que, muitas vezes, pode nos manter presos, atados, algemados no mesmo lugar.

Eu não sei qual crime eu cometi. Mas eu pago a fiança.


sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O que restou...



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No dia 12 de Janeiro de 2010, um país historicamente em colapso foi completamente arruinado. O Haiti, cuja história é marcada por uma completa rejeição da comunidade internacional, teve sua capital, Porto Príncipe, destruída por um terremoto que atingiu 7.3 graus na escala Richter.

Edifícios como o Palácio Nacional, ministérios e embaixadas vieram abaixo junto com moradias, hospitais e escolas. Os jovens sobreviventes procuravam seus colegas entre os escombros dos colégios; a população correndo pelas ruas repletas de partes dos prédios e casas - de pessoas também; famílias procuram seus entes nas fileiras de mortos e feridos expostos nas calçadas. Sem ter para onde correr, para quem pedir ajuda, os haitianos vagam pelas ruas em busca de algo que já não tem há muito tempo: uma saída. O país foi negligenciado pela comunidade internacional durante toda sua história, que se resume à opressão e abusos impostos pelo colonizador, a França; trocas de poderes, e ditadores sanguinários como Papa Doc baseada no terror policial dos tontons macoutes (bichos-papões) - sua guarda pessoal -; após sua morte, Baby Doc, seu filho, decretou estado de sítio diante de mobilizações sociais, deixando o país rumo à França. Durante tal período os ditadores eram escorados pelo apoio francês, restando apenas uma nação aos trapos, regida por guerrilhas, em um completo caos, negligenciado por órgãos sociais durante muito tempo, e recebendo ajuda da ONU apenas no sentido de conter a ameaça para paz mundial. Ao longo da história de tal nação são raros os casos de ajuda humanitária, sendo a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, a única no sentido de manter a paz na região.

Agora com o abalo sísmico de proporções catastróficas expôs ao resto do mundo aquilo que há muito foi esquecido: uma nação abandonada, a mais pobre do seu continente, cuja renda per capta corresponde a um terço da renda da favela da Rocinha no Rio de janeiro, e abriga 10 milhões de habitantes, parte de um povo explorado e abandonado por todos nós.

Diante da situação emergencial, me inscrevi para o voluntariado internacional por várias instituições, mas fui recusado, já que não tenho habilidade nenhuma com esse tipo de trabalho. Entendi imediatamente que alguém sem experiência traria apenas mais desordem à situação, portanto, a melhor forma de ajudá-los é com um depósito nas contas da ONG Viva Rio, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, da Embaixada da República do Haiti e da CNBB. As doações para a Organização das Nações Unidas (ONU) devem ser feitas para a ONG Viva Rio.


ONG Viva Rio:

Banco do Brasil

Agência 1769-8

Conta 5113-6



Cruz Vermelha

Banco HSBC

Agência 1276

Conta 14526 - 84

Aos interessados em fazer depósito online,

o CNPJ do Comitê Internacional da Cruz Vermelha é

04.359688/0001-51.



Embaixada da República do Haiti

Banco do Brasil

Agência 1606-3

Conta 91000-7

CNPJ 04170237/0001-71



Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Os depósitos podem ser feitos nas contas da campanha SOS Haiti:

Banco Bradesco

Agência 0606

Conta Corrente 70.000-2


Banco Caixa Econômica Federal

Operação (OP): 003

Agência 1041

Conta Corrente 1132-1


Banco do Brasil

Agência 3475-4

Conta Corrente: 23.969-0



Não vamos cometer o mesmo erro que viemos cometendo. Faça uma doação, e divulgue esse post para quem puder. Precisando de qualquer informação extra, me mande um e-mail em : andre.romitelli@yahoo.co.uk . Muito obrigado

O olho direito


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Sempre cresci ouvindo que homem não chora, e quem me disser que nunca ouviu coisa do tipo, será um mentiroso de primeira. Afinal, que garoto não teve aquele tio machão, responsável por contar todas as anedotas sobre gays, políticos, mulheres, portugueses; passar latinhas de cerveja escondidas para os sobrinhos e que parece ter uma opinião pronta pra qualquer assunto? Parece que é um jeito de garantir a manutenção do ciclo reprodutivo, garantindo que as gerações mais novas tenham culhões suficientes para enfrentar um mundo repleto de pessoas que, como seu tio, tiveram bagos maiores que o seu. Não vou negar que essa pressão exista em todos os segmentos de minha família, mas sempre foi um tabu, que não se discutia diretamente, mas todos sabiam que estava ali, e eu tive que acreditar que homem não chora mesmo, e pronto!
Talvez seja por isso que eu aprendi aquele jeito de chorar escondido, devagarinho; um choro de mansinho que não assusta ninguém; choro que esconde o pranto e mantém os olhos secos para enfrentar o julgamento da família e que choro de homem não tem vez. Pra isso, quando vem aquela dor no peito, fica tudo apertadinhozinhoassim; o nó na garganta é tal que se confunde com um engasgo; e os olhos ardem mais do que abri-los debaixo d'água (talvez porque já estejam encharcados), o que resta a fazer é agonizar sozinho, evitando por tudo abrir a boca, pois é por aí que desata o pranto. Então aquele sorriso antes bem ensaiado rasga uma convulsão penetrante, ainda não se distingue o riso do choro, os extremos se afastam cada vez mais, parece que os lábios não possuem a mesma extensão anterior, uma nesga de saliva escorre por um canto semi aberto, em mais uma contração surge a perfeita distinção de um homem aos prantos: os músculos faciais se contraem, fechando os olhos e arregalando as narinas; a respiração falha duas vezes; o corpo convulsiona-se em um ritmo sincopado; as mãos já não sabem se enlaçam-se, escondem o rosto ou a si próprias, gélidas; os pés dançam no ritmo daquela convulsão; e a cabeça pulsa como se fosse explodir; e explode, unindo todos os elementos desta dança lancinante em uma pista repleta de estranhos que por mais tentem lhe consolar, são só estranhos.
Mas fazer o que? Sempre vai ter alguém que diz que já passou por isso, e por tudo mais, e sabe mais do que você, sabe mais como resolver esse problemão, e que é tudo um grande exagero seu. Que seja! Agente se adapta, e que menos estranhos saibam do nosso pranto! Ensaiamos alguns sorrisos -diferentes para cada ocasião- e aprendemos que homem que chora, tem que se adaptar. Por exemplo, eu como homem destro, e com minha "destreza" me acompanhando a todo lugar, sei muito bem chorar apenas com o olho direito. Afinal de contas, em qualquer ocasião, você pode se esconder muito bem no seu lado forte, no caso o direito. Mas no meu caso, essa adaptação veio pela posição que ocupo no carro, geralmente no banco de passageiros. Chorando com o olho direito, nem o motorista, nem os outros acompanhantes percebem sua situação, lamentável para seu tio, sua tia, seus primos, seus pais. Lamentável...


Homem não chora!

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Solitude


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Nasceu com cara de nada, sem jeito, sem graça, nem cor, credo, raça; menino ou menina, morena ou louraça; franzino, pateta, palhaça. O que você acha? Entrou na minha casa, fez bagunça, e no fim não fez nada. Achou o que estava cansado de procurar. Pegou pra ela, jogou pro alto, caiu no chão, virou geléia. Mexendo nas coisas antigas achou foi o eu mesmo que andava sumido, pegou pra ela, passou no pão, lambuzou-se, saciou-se; me encontrou. Foi nessa de achar e ser achado, que eu encontrei meu grande amor(sic).