segunda-feira, 26 de julho de 2010

Viramundo



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Pôs-se a perambular pelos campos colhendo flores silvestres. Desceu vales, galgou montanhas, até que, morto de cansaço, deixou-se cair no capim e adormeceu sob a luz das primeiras estrelas, com um sorriso nos lábios. Era um sentimento novo o que lhe enchia o coração.


Fernando Sabino

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Enxadrado


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É um desafio antes de tudo sair escrevendo assim sem muita razão. Acho que já errei, na verdade, agora a pouco esse ponto final veio como uma vírgula, e esse período já nasceu de um erro. É como se eu estivesse jogando xadrez: cada movimento se pauta nos movimentos futuros do adversário. Sempre foi assim, nunca foi tão fácil quanto a gente conseguia fazer. É um grande desafio, sim; antes de tudo saber por que raios eu coloquei um ponto-e-vírgula agora a pouco. Raios, sempre perdi no xadrez pro meu irmão, estou agora apanhando de você. Esse jogo é muito mais seu do que meu. E esse texto tão insoso e sem razão de ser é só mais um exemplo de que eu perdi a batalha. Aljubarrota. Eu Português, você Espanhola! Ahá! Touché! Olé! E o ponto-e-vírgula que eu esqueci ali atrás? Não é fim, nem começo. Parece tanto com a gente. Falando de a gente, eu sempre lembro de "agente", e hoje sei a diferença muito bem, dagente e de agente; ou de agente e de a gente; quanta gente no fim, não é mesmo? E pra que tanto lero lero, falando de tanta baboseira, se no fim acaba tudo no xeque-mate? E o maldito ponto-e-vírgula devia ser extinto, ou a gente tem uma pausa pra respirar ou termina logo com isso. Céus! Chega! Já me sufocou essa brincadeira de escrever sem pautas, sempre fui péssimo com caligrafia, e escrever em linhas tortas nunca significou nada para mim além de uma lembrança constante da minha tremedeira. Já você me lembra daquela época que passava correndo pertinho de mim, ventando meu cabelos, e parava destruidora nos outros. Eu me sentia protegido, e um pouco delicado. Só agora que eu vejo que cada vez que você passava, ardia um pouco, sangrava um pouco, de tão cortante e incisiva; cortou tanto que hoje calejou grande parte do meu espírito pioneiro. De pioneiro não resta mais nada: meu alazão foi-se embora, minha armadura enferrujada no canto, meu fiel escudeiro está bêbado, e vendi minha alma ao demônio em troca de uma bela mulher; que fugiu com meu irmão. Estou só. Só.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Descarga de pensamento

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A filosofia contemporânea nasceu no banheiro. Todo o pensamento de nossa geração pode ser sintetizado pelos pensamentos e divagações na porcelana. Poderia se tivesse sido anotado, mas nunca tem lápis ou caneta no banheiro, então toda essa genialidade pitoresca vai invariavelmente para o esgoto; e todo o pensamento filosófico de hoje fica restrito às produções muito mais discretas que só terão função dentro de, pelo menos, 20 anos, quando forem estudadas por colegiais ou pré-vestibulandos (caso esse método de triagem ainda exista). Enfim, o filósofo do séculos 21 já está de calças arriadas, pronto para receber chumbo grosso.

Em seu trono, o pensador é rei de toda a verdade: preenche a volumetria do território facilmente com suas verdades indefectíveis; o ar fica impregnado com a magnitude do seu pensamento; e todos os problemas parecem ter uma solução. A simplicidade do raciocínio lógico que condiciona a toda a iluminação do raciocínio. Além disso, a posição do “homem entronado” proporciona a flexão óbvia e eficaz da cabeça pesando sobre o punho: “O Pensador”.

Tudo isso fica mais fácil sem aquela pressão do almoço mal digerido. A unidade de filosofia contemporânea, com seus azulejos bem limpos, a pia de pedra brilhante, o box com sua incólume transparência, abriga o filósofo, se livrando dos restos pútridos das filosofias digeridas. O organismo é aproveitador, fica só com o que interessa: o resto que se dane. O filósofo, dono de tal organismo, não poderia ser diferente: engole seus antepassados, indiscriminadamente; mastiga suas filosofias, que, muitas vezes, já estão mastigadas; digere tudo aquilo, despejando sobre aquilo suas observações de pH inconveniente. Bom, agora os filósofos divergem: alguns optam pelo refluxo, ruminando toda aquela confusão, permanecendo em um lugar comum; ou despejam logo o quimo, com todas suas partes descartáveis. O pensador contemporâneo acaba sempre defecando (n)os costumes dessa época.

Afinal de contas, aonde você acha que estou enquanto penso nisso? Muita filosofia é desperdiçada aqui unicamente pelo fato de não ser comum ter lápis ou canetas aqui! É uma vergonha isso, já que papel tem de sobra. Bom, se o papel acabou não me culpe, mas vai ser um problemão. Só que o pensamento no banheiro é tão efêmero quanto um sonho, uma música composta no chuveiro, ou uma descarga. Eu sei que você está cagando e andando pra isso, mas eu acho um grande desperdício.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Pra apagar o Sol

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Assim eu falo da sua boca:
pra não falar dos olhos.
Você já deve ter se cansado de ouvir sobre o quanto são azuis;
e essas coisas que tanto se diz.
Mergulhar, perder-se;
no mínimo, me hipnotiza.

Mas sua boca.
Ah! Dela nem se fala.