domingo, 21 de agosto de 2011

Entre grades



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“Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Ferreira Gullar – “Traduzir-se”

Os caminhos que percorremos na cidade estão cada vez mais perigosos. Mas são os muros que delineiam as permanências que tornam os espaços mais seguros? Ferreira Gullar, em sua coluna semanal no caderno “Ilustrada”, fala sobre uma noção de segurança nas praças e logradouros cariocas dada graças às grades que os circundam. Como se as mesmas fossem filtro demográfico, o interior de tais praças deixou de ser povoado por moradores de rua e passou a abrigar crianças e o poeta em suas vãs andanças.

É curioso notar essa crescente noção de segurança atrelada ao isolamento das porções de habitantes de uma cidade: o direito de ir e vir não é bloqueado pelas grades que cercam as praças, as próprias pessoas que o freqüentam –e sua ausência- o fazem. Essa que é a verdadeira noção de segurança nos caminhos que formam a cidade: o olhar do outro; o que garante o fluxo de pessoas nas calçadas das cidades são as próprias pessoas. Passeios largos e bem projetados são um convite ao transeunte, e este é um alento de segurança ao outro pedestre. As cercas, grades e muros dão noções de uma segurança muito mais frágil e instável, que dispensam citar os exemplos de atentados, assaltos e roubos em shoppings, escolas e caixas eletrônicos.

Se a praça do Leme tornou-se um lugar mais ou menos seguro, não posso garantir, afinal, nunca estive no Rio de Janeiro. Mas essa noção de vizinhança que convida ao carteado, ao jogo de damas e a permanência tem um papel muito mais influente em manter a segurança do local do que as grades que o circundam. E se os cidadãos que fazem parte desta rotina estiverem dispostos ao convívio, as grades sairão como se nunca tivessem sido postas.