sexta-feira, 16 de abril de 2010

Roupa Suja


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É claro que a ausência foi sentida. Foi doída. Jogo de gato e rato, sempre sem vencedor. Foi uma semana do cão; sem noite nem dia; sem choro nem vela. Manhãs pesadas, de ossos congelados e frágeis; de pele seca e grudenta, de corpo colado à cama; olhos que ardem não pelo vento cortante, mas por salmoura e pranto. As pernas não respondem aos estímulos: seguem seu caminho, me levando aonde não quero ir; a garganta seca impede o grito, e o desespero fica contido numa redoma intocável. Tardes velando o leito do amado morto, buscando em banalidades alguma satisfação que preencha, ao menos por um instante, o vazio. O corpo cansado, não tem consciência do quanto dói; as juntas fazem barulho, arranha, risca, enrosca, rasga. A papelada que vai se acumulando, fazendo pilhas de procrastinação, que, com muito talento, foram erguidas por aquele que agora padece de um pouco de atenção. O ser vazio adentra a noite, enchendo-o de vida; coração batendo veloz na expectativa de ouvir o telefone tocando, ou o celular vibrando, fazendo vibrar consigo a mesa, o chão e as paredes, e o morador. Troca os canais da televisão, como se não estivesse nada passando. Folheia uma revista com nenhum artigo descente. “Não se fazem publicações como antigamente”. O telefone mudo. Vai até a cozinha, despeja água gelada pela garganta pelo bico da garrafa mesmo. “Não tem ninguém vendo... Se ela visse isso, acharia natural. Minha mãe não.”. A mãe enche a caneca de água e leva ao fogo. A mão! Saudades da mãe... Do irmão, do pai... Saldade. “É, faltou sal hoje no arroz...”. Verdade é que ta tudo sem sal, sem gosto, sem graça. A roupa acumulando no tanque. O telefone nem toca mais! Faz silêncio, como se ninguém estivesse aqui, e o chão de granito escuro congela os pés, que acabam doendo de tanto frio. Sempre tive frio nos pés. “Azar...”. O dedão cutuca um floco de poeira, que escapa e vai se esconder em um canto, junto aos demais. Ficam flocos de poeira pelos cantos, sujando as meias, as calças e as cuecas do mal aventurado que experimenta o contato com o chão congelante. O telefone tocou. A água ferveu. “Alô?”. “Oi.”. ”O que ta rolando?”. “Nada...”. Pois é, nada ta rolando. O telefone fica mudo. Descansa no gancho. A roupa no tanque. Um balde cheio de água, um pouco do sabão em pó que faz minhas mãos descascar. Despeja a água turva e tudo vai embora pelo ralo, para voltar, talvez no futuro, com a chuva que me atormenta. Um raio. O chão tremeu. O celular nunca mais tocou.