domingo, 16 de agosto de 2009

Mortíbulo

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A janela batia pausadamente, marcando o ritmo cardíaco daquele pobre coitado que mantinha-se colado à cama, como que se todo o suor produzido durante aquela quarentena lhe impedia de mover qualquer parte de seu corpo. Sentia-se improdutivo e estéril e aquela meleca que se formava, o cheio forte de suor velho misturava-se com o café requentado em cima da cômoda, o iodo no frasco aberto. Sua filha Maria Elena deixara um recado com a enfermeira: partia para São Paulo com todos os pertences pretendendo se casar e fazer família. Seu filho Mário já o deixara sem notícias há muito, e a única lembrança que restava era do pequeno que cavalgava em suas pernas, fingindo ter consigo um alazão como os do cinema Continental. Pela porta ouvia-se o relógio da sala bater doze vezes, era o dia de seu nascimento, e o dia de sua morte, além da hora exata registrada em sua folha de certidão. Aquele ser esquálido, com os olhos fundos e penetrados, já brancos pela catarata, a pele retorquida e colada aos ossos não demonstrava resistência aos sinais dos anos, o fartum no quarto denotava a podridão daquele homem. Morto por fora e invisível por dentro. O político exemplar, o crítico renomado, o artista prestigiado agora resumia-se àquilo e ponto.

5 comentários:

Anônimo disse...

Nossa,que texto!

Anônimo disse...

Nossa!

Isabela Romitelli disse...

Oi Deco,
Muito bom o texto!
O blog está ótimo, parabéns!

Teclas da Clau disse...

Isso renderá um belíssimo conto!
TALENTO! Essa é a palavra!

Comentador Fiel disse...

tem outras partes?