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A filosofia contemporânea nasceu no banheiro. Todo o pensamento de nossa geração pode ser sintetizado pelos pensamentos e divagações na porcelana. Poderia se tivesse sido anotado, mas nunca tem lápis ou caneta no banheiro, então toda essa genialidade pitoresca vai invariavelmente para o esgoto; e todo o pensamento filosófico de hoje fica restrito às produções muito mais discretas que só terão função dentro de, pelo menos, 20 anos, quando forem estudadas por colegiais ou pré-vestibulandos (caso esse método de triagem ainda exista). Enfim, o filósofo do séculos 21 já está de calças arriadas, pronto para receber chumbo grosso. Em seu trono, o pensador é rei de toda a verdade: preenche a volumetria do território facilmente com suas verdades indefectíveis; o ar fica impregnado com a magnitude do seu pensamento; e todos os problemas parecem ter uma solução. A simplicidade do raciocínio lógico que condiciona a toda a iluminação do raciocínio. Além disso, a posição do “homem entronado” proporciona a flexão óbvia e eficaz da cabeça pesando sobre o punho: “O Pensador”.
Tudo isso fica mais fácil sem aquela pressão do almoço mal digerido. A unidade de filosofia contemporânea, com seus azulejos bem limpos, a pia de pedra brilhante, o box com sua incólume transparência, abriga o filósofo, se livrando dos restos pútridos das filosofias digeridas. O organismo é aproveitador, fica só com o que interessa: o resto que se dane. O filósofo, dono de tal organismo, não poderia ser diferente: engole seus antepassados, indiscriminadamente; mastiga suas filosofias, que, muitas vezes, já estão mastigadas; digere tudo aquilo, despejando sobre aquilo suas observações de pH inconveniente. Bom, agora os filósofos divergem: alguns optam pelo refluxo, ruminando toda aquela confusão, permanecendo em um lugar comum; ou despejam logo o quimo, com todas suas partes descartáveis. O pensador contemporâneo acaba sempre defecando (n)os costumes dessa época.
Afinal de contas, aonde você acha que estou enquanto penso nisso? Muita filosofia é desperdiçada aqui unicamente pelo fato de não ser comum ter lápis ou canetas aqui! É uma vergonha isso, já que papel tem de sobra. Bom, se o papel acabou não me culpe, mas vai ser um problemão. Só que o pensamento no banheiro é tão efêmero quanto um sonho, uma música composta no chuveiro, ou uma descarga. Eu sei que você está cagando e andando pra isso, mas eu acho um grande desperdício.