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Mandar um e-mail soa como se corresponder com alguém distante do nosso dia a dia, quase intangível; com rotinas paralelas, costumes diversos; países diferentes. Claro que a situação não é tão dramática nem tão distante; mas redigir um e-mail é uma função meticulosa e precisa. Na dinâmica que adotamos não é mais o desejável, menos ainda o mais prático no cenário congestivo da cidade, óbvio; mas garanto - e você deve saber disso - que as cartas, máquinas de escrever, câmeras analógicas, óculos de armação grossa, livros velhos e meias confortáveis são ótimas companhias para esses Domingos va d/z ios, quando assistimos a poeira deitar devagar sobre aquela poltrona antiga e brincar de se aninhar nos cantinhos da casa, onde a vassoura não chega. É assim que estou hoje, e talvez isso me inspire alguma coisa, que eu quero dividir com você.
O som de uma carta escorregando por debaixo da porta é coisa rara hoje em dia, assim como o ronco de metralhadoras fuzilando corpos; mas imagina quando ambos os sons se misturavam no cenário do começo desse século. É muito confuso imaginar as comunicações durante as grandes guerras, de pais com seus filhos, de batalhões solitários, aviões abarrotados de experiências sozinhas podiam ser bombardeados sem alarde extraviando todas elas. Uma experiência só se torna real quando dividida, e essas cartas foram - por que não? - o suspiro de realidade de enfermos no campo de batalha. Nossa realidade, é, em grande parte, a consciência que o outro tem de nós, e nosso esforço para mantermos vivas essas memórias particulares.
É inevitável imaginar o serviço postal de 100 anos atrás ou um pouco mais, quando aportava uma massa de imigrantes europeus em nossos "verdes mares bravios". Em questão de 100 anos, quase 30 milhões de italianos embarcaram para abandonar sua terra, não menos amada que a nossa; como um último esforço de prosperar seus descendentes, pais os enviam como ajudantes de missionários, em caravanas, sozinhos. Imagine crianças de 14 anos desembarcarem no Rio de Janeiro do século XIX, após viagens incertas que tomaram meses. E seus pais? Os meus pelo menos, ligam quase todos os dias para saber como estou. Não suportariam 1 mês sem notícias, é quase um atestado de óbito. Digo isso pois quando o pequeno Biase Ferraro deixou a pequena vila de San Biase, com cerca de 120 habitantes no sopé da montanha, sabia que deixava os pais que passariam frio e fome no inverno, mas não imaginava que a prosperidade o esperava do outro lado do oceano. Anos depois, naquele mesmo sobrado daquele pequeno vilarejo de casas caiadas, o carteiro trouxe uma carta que não escorregou por debaixo da porta, pois tinha um pacote de café brasileiro amarrado junto a ela. E assim, todas as cartas que aquela casa recebia traziam junto com ela esperança, e lembrança; o que manteve Biase vivo na memória dos pais, e da irmã, que nunca o conheceu. Tão alvas como o reflexo das águas do rio que escorre por trás da casa, a neve que cobria a casa não era o bastante pra esfriar o coração daquela família, que lia e relia as cartas, na expectativa do carteiro que bate a porta.
E 100 anos depois, não foi o carteiro que bateu trazendo notícias, mas os próprios bisnetos de Brás Ferraro. Entrar naquele sobrado caiado foi como meu bisavô voltando pra casa. E sua irmã ainda o esperava, sentada ao lado da lareira, com um avental verde xadrez com um sorriso de paz no rosto. Foi um almoço em família.
A dinâmica das correspondências torna a comunicação mais interessante pois lida com a expectativa e a incerteza. O coração bate mais rápido. Os olhos sem enchem de prazer ao ler uma linha, como se ela estivesse dormindo por muito tempo, e acordasse mais disposta. Cansei da metralhadora de letras e palavras do facebook, mas não quero deixar de fazer parte da memória de algumas pessoas, especialmente aquelas que fazem parte da minha.
Bom começo de semana,
André Romitelli
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